sexta-feira, julho 17, 2009

Edição Especial!

Editoria de Arte Globo.com/GloboEsporte.com


SERÃO CEM ANOS NO FIM-DE-SEMANA


Em celebração, escolheu-se dois textos publicados originalmente no Impedimento. Ambos os autores são colorados, mas isso não importa. Não, de hoje até às 16 horas de domingo, ao menos. E não importa porque escrevem como apaixonados pelo Gre-Nal. O lado, agora, é o que menos interessa. O jogo envolve gremistas e colorados por igual, e -como relata Cassol- ao longo desses 100 anos todos têm motivos de sobra para se orgulhar do seu próprio lado (e, por que não?, mesmo sem admitir, invejar o outro também). Portanto, dane-se, como bem aponta Ceconello, se as direções se fecharam em pavor do rival, e ignoraram solenemente a data. O clássico é maior do que as mesquinharias provincianas dos cartolas. O clássico é de cada gremista e cada colorado individualmente. E, assim, convidamos todos para celebrar estes 100 anos cada qual a sua maneira.


100 anos de Gre-Nal, o melhor jogo do MUNDO!


Saudações grenalistas,
Paulo Roberto Tellechea Sanchotene - sancho.brasil@gmail.com

P.S.: Tomei a liberdade acrescentar ao texto do Ceconello, a experiência do meu primeiro Gre-Nal num estádio, e algum linque no texto do Cassol. Minhas inserções estão entre colchetes. Não possuo mesmo talento, mas, sabem como é, eu disse que não importava o time deles, porém, no fim, este especial tinha ficado vermelho demais!






Cem Anos de Gre-Nal, por Daniel Cassol


Na semana toda se falou dos cem anos de história do maior clássico do futebol brasileiro. Eu fiz o inverso. Recorri ao Negro Dalcir, um crioulo que vive no interior de Caçapava do Sul – e costuma prever o futuro de acordo com o comportamento do seu cusco, o Piloto, para saber como serão os próximos cem anos do Gre-Nal.

Eis um resumo das previsões do Negro Dalcir, concluídas enquanto Piloto lagarteava no sol, cravando os dentes na virilha de vez em quando, pra açoitar um carrapato.

Neste novo século do clássico trataremos de encontrar um outro Gre-Nal do Século [ou dois]. É da natureza dos homens, dos torcedores de futebol e dos jornalistas – nesta ordem – estabelecer marcas e datas como referência. Por isso mesmo falaremos muito do gol 2.000 nos grenais, como falamos do gol 1.000.

Os jornais de domingo publicarão fotos nais quais rivais se abraçam. Casais que superaram a rivalidade Gre-Nal serão personagens de matérias na televisão. Na hora do almoço havéra debate esportivo.

O Grêmio golerará o Inter, uma, duas vezes e mais. O Inter devolverá as goleadas, uma, duas vezes e mais.

Um árbitro favorecerá o Inter e será acusado de colorado. Logo em seguida, o mesmo árbitro favorecerá o Grêmio e será acusado de gremista. Quem perder o clássico, acusará o árbitro – às vezes antes mesmo da partida começar.O torcedor do time vencedor do Gre-Nal do domingo acordará cedo para trabalhar na segunda. O torcedor que perder pedirá um atestado médico.

O Inter não será convidado para a inauguração da Arena, para que a história não se repita. O Inter só aceitará o Grêmio no Beira-Rio por obrigação, pois o rival não costuma ser uma boa visita.

Surgirá um craque para dizer que é hora de um veterano se aposentar. Alguns artilheiros farão coisas estúpidas também.

Mas talvez não tenhamos mais cabritas sendo lançadas no gramado e dirigentes invadindo o campo. Muitas coisas serão feitas pelo computador. Oxalá o exame de próstata.

Infelizmente, novas tragédias deverão ocorrer em nome da rivalidade, e muitas delas serão combinadas na internet.

Em campo, questões polêmicas serão resolvidas no tapa.

As autoridades proibirão tudo: cerveja, avião, grito de gol. A torcida dará um jeito.

No estádio, só estará gente de bem. Ainda existirá violência, dentro, perto ou longe do estádio, por algum motivo que as autoridades não entenderão.

Cada Gre-Nal será eterno.

Os homens terão de sair com as crianças em dia de Gre-Nal, para não incomodar a mulher e suas amigas que estarão em casa tomando cerveja e vendo o jogo. O feminismo terá logrado muitos avanços.

Quando chegarmos aos duzentos anos do Gre-Nal, nossos dirigentes também não saberão aproveitar a chance. O Projeto Genoma descobrirá então que a estupidez está no DNA dos cartolas.

No fim das contas, uma coisa é certa: todos os grenais dos próximos cem anos pegao fogo, a começar pelo primeiro clássico do segundo século de clássicos. Porque Gre-Nal é Gre-Nal. E vice-versa.






História Universal da Angústia, por Douglas Ceconello


Um atacante gremista largou-se em velocidade e invadiu a área, desferindo um potente chute, defendido parcialmente por Fernández. A bola subiu e sobrou para Alcindo cabecear para o gol vazio. Neste instante, surge um colorado, Daniel Franco, que se joga ao encontro da bola, sobre a linha, e a afasta, meio de ombro, meio com o braço. A metade vermelha do Beira-Rio se levanta, num rugido. O árbitro, incontinenti, estende o braço e anota pênalti. A outra metade, azul, ergue-se numa explosão.

Era setembro de 1991, o primeiro Gre-Nal que assisti na arquibancada. Pensando hoje, creio que o empate em um gol realmente mostrou-se uma contribuição maior para o meu ESPÍRITO do que seria uma vitória vermelha. Pelo simples motivo que a grandeza e a imprevisibilidade do clássico foram arremessadas como um tijolo no meu peito.

A parcela de gremistas erguendo-se num estampido para comemorar o gol ainda hoje é uma das sensações mais ATERRADORAS da minha existência. Que os azuis estavam em peso no Beira-Rio, eu percebia visualmente, mas não tinha noção de que, sim, eles comemorariam – em alto e bom som.

Naquela fração de segundo entre a bola tocar nas redes e o clamor tricolor transformar-se em ÁUDIO e chegar até onde eu estava, ainda tive a esperança de que nada daquilo estava acontecendo, que a bola havia saído e que os jogadores corriam e erguiam os braços por sei lá quais motivos. Foio ruído gremista que acabou com meus devaneios e jogou a realidade no meu colo. Naquele dia, aos 12 anos, eu percebi que não é possível ser completamente feliz.




[Era outubro de 1994. À época, tinha 13 para 14 anos, e recém virara sócio do Grêmio. Grêmio e Inter haviam caído no mesmo grupo na Segunda Fase do Brasileiro daquele ano e a quarta rodada marcava Gre-Nal, e no Olímpico! Um amigo do meu pai resolveu levar toda a gurizada para o jogo, e aproveitei a carona. Com ingresso sobrando, até um colorado estava no meio da delegação. Sem problemas, pois, naquele tempo (e faz tanto assim, será?), na Azenha, gremistas e colorados caminhavam lado a lado. Crianças de mão com os pais. Algazarra, provocações e festa. Melhor do que imaginei que seria, mas exatamente como tem que ser.

Até então, tudo o que sabia do Gre-Nal era por relatos. Confirmei-os todos no estádio. Primeiro fato: a torcida adversária. Eu já havia freqüentado o estádio antes, e me acostumado com os rivais ocuparem uma parte insignificante da arquibancada. No Gre-Nal, isso é -ou, pelo menos, era- bem diferente. Nada menos que um quarto do estádio encontrava-se pintado de vermelho. Segundo fato: superlotação. Gremistas e colorados com ingresso de arquibancadas foram deslocados para as cadeiras cativas do Olímpico. NENHUM INCIDENTE. Terceiro fato: o sentir o jogo. Tudo é gritos e risos até momentos antes da bola rolar. Entra o árbitro, "elogiado" pelos torcedores de ambos os lados, e os times. O estádio ruge, vibra, treme e... se cala. Só quem grita são os vendedores. No resto, o silêncio domina. Nessa hora, o peso do Gre-Nal verga a todos. Quarto fato: o coração na garganta. Não importa onde a bola estiver; se é o adversário que a controla, é gol, certo! Não há qualquer explicação racional para isso, mas é essa a sensação que se tem. Toda aquela confiança se esvai no momento em que perde-se a bola e o outro lado do estádio se levanta. É um “Xiiii! É agora…” que dura todo o jogo.

Casualmente, o resultado também foi 1-1. Do jogo, não me lembro quase nada, e o que mais me marcou sequer foram os gols, mas a celebração. Como foi bom olhar o lado vermelho do estádio murcho e calado com o nosso 1×0! Em compensação, a festa dos quase 15.000 colorados no Olímpico na hora do gol foi, para dizer o mínimo, assustadora; mas, ainda assim, creio ter sido naquele momento de frustração e tristeza que me apaixonei eternamente pelo clássico.
]



Na AURORA da minha adolescência sem-vergonha eu já possuía algum discernimento para perceber que o Gre-Nal era uma representação perfeita do DUALISMO entre a miséria e a glória da humanidade. Sobre como as reversões de expectativas AFUNDAM as cuecas do espírito, enquanto a REDENÇÃO, justamente por ser tão inesperada e singular, gera quase uma sensação de VAZIO.

Quando desperta para um domingo de Gre-Nal, Porto Alegre é toda falsidade. Porque, apesar do DISFARCE em vivas cores azul e vermelha, basta uma visão um pouquinho mais ACURADA para percebermos que a melancolia está em todos os cantos, nas calçadas sujas, nas sombras do Centro, nos armazéns abandonados à margem da Freeway, nos postes abençoados por cães de bexiga frouxa.

Ainda que a gritaria coma solta ao redor das churrasqueiras imortais e que as bandeiras tremulem marotas, nas sacadas dos prédios ou pendentes na janelas dos Del Rey vindos de Alvorada e adjacências, há um manto de tristeza que desce lentamente sobre a capital, do Sarandi ao Belém Velho. Os dias de clássico são os mais tristes que já presenciei.

Porque, fosse possível, evitaríamos todo esse BAILE DE MÁSCARAS (ns). Afinal, por que correr o risco de perder, por que correr o risco de vê-los felizes, rasgando a noite em gargalhadas após sermos incondicionalmente humilhados depois de uma derrota por 1 a 0 em um jogo no qual fomos superiores? Por que nos empurrar para o matadouro novamente, como tantas e tantas outras vezes?

Antes de ser vencido, um Gre-Nal nunca é bem-vindo.

Após dois milênios de tensão muscular e descabimentos emocionais, termina o jogo. Ganhamos, perdemos ou empatamos – e, nesse caso, geralmente ambos vencemos. Um boteco ou, na falta de dinheiro e sobra de vergonha, o caminho de casa são os destinos invariáveis.

Gosto de imaginar os momentos pós-Gre-Nal em PRISCAS ERAS, quando provavelmente o matungo deitava solene seu chapéu na mesa de um ESTABELECIMENTO COMERCIAL e sorvia seu trago noite a dentro, consolando-se com o inferno pessoal que seria sua vida até o próximo clássico. Ou, então, transbordando todo o ímpeto do triunfo, mandava fechar uma CASA DE TOLERÂNCIA para se esbaldar em prazeres menos metafísicos do que superar o rival.

Se o digno caminho do lar for a escolha para curar as feridas, os vitoriosos chegam pisando forte para anunciar que adentra o recinto um vivente que foi alvejado de forma fatal pelo que há de mais doce no universo. Nas próximas horas, são santos na arte de escutar a ladainha do mulherio e aturar as peripécias infantis. Tudo lhes causa prazer, lhes dignifica a existência. Seu olhar provavelmente está perdido, tenta incansavelmente tornar visível o prazer de triunfar em um Gre-Nal – e isso nunca pode ser visto, porque está, como diria Roberto Carlos, além do horizonte.

Já os que perdem não são derrotados, são zumbis que caíram numa emboscada digna de George Romero assim que saíram de casa, em qualquer quebrada da Borges de Medeiros ou da Érico Veríssimo. E santificadas serão as mulheres que nada falam, apenas sentam-se e lhe afagam os cabelos, reconfortando seu espírito destroçado e, sinceras e apostólicas, juram: “Te prometo que nunca mais o Jorge Veras [Fabiano] vai fazer isso”.

*****

Compreendo as críticas aos departamentos de marketing do Inter e do Grêmio, que pecaram muito na divulgação do jogo que comemora os 100 anos do clássico, mas enxergo nesse comportamento um instinto bem claro: medo de perder. Simplesmente, não querem promover a vitória do rival. Afinal, também é semana de comemorar 100 anos de aflição e angústia, 100 anos aprendendo a levar chicotada na cara e engolir seco, esperando amargamente pela redenção, possível apenas quando o vermelho e o azul estiverem em lados opostos do campo.

2 comentários:

JOAO MUNARI disse...

Se conheço um pouco o mkt colorado,tenho certeza de que existe uma mega campanha guardada a 7 chaves esperando pelo fim da partida. Com a vitória,as lojas abrirão na segunda feira com centenas de camisetas alusivas ao centenário do greNAL.

André Kruse disse...

Fui neste grenal em 94. Mas meu primeiro foi o do Hexa. Só lembro que o Gremio ganhou de goleada e o Cuca fez um gol do "meio de campo". Na minha cabeça foi isto que aconteceu.